Discursos acalorados marcam votação do projeto sobre transporte urbano

“Se não pode esclarecer, confunda-os”. Vereador Edson cita Maquiavel para  criticar mudança em artigo da Lei Orgânica que tira obrigatoriedade de duas empresas para prestação do serviço

Por 11 votos os vereadores aprovaram a alteração da redação no artigo da Lei Orgânica Municipal que trata da outorga da concessão do serviço de transporte público urbano e rural na cidade ganhou mais um capítulo conturbado na Câmara Municipal e gerou inúmeras reclamações da população.

O clima esquentou quando o projeto de autoria do executivo veio com a sugestão de troca da palavra “Deverá” por “Poderá” na redação do artigo 226A que trata do assunto.

A obrigação da concessão a duas empresas foi definida em junho de 2016, após audiência pública e pressão popular pelo fim do monopólio sobre o transporte público, quando iniciaram as constantes reclamações da população sobre a qualidade dos serviços prestados pela Princesa do Sul, concessionária que comanda o serviço na cidade há mais de 30 anos e que até o momento é alvo de questionamentos da população e recentes mudanças não foram suficientes para minimizar as reclamações populares.

Na justificativa para a mudança, o prefeito Rafael Simões afirmou que a emenda aprovada em 2016 não se baseou em estudos técnicos comprobatórios de viabilidade ou não para a contratação de mais de uma empresa e que a emenda proposta agora, torna facultativo a outorga a uma ou mais empresas.

O assunto dividiu os vereadores e os discursos foram acalorados tanto a favor e contra a mudança desde a primeira votação, quando o  vereador Dr Edson (PSDB) afirmou que não se pode basear a lei em “futurologia”, uma vez que alguns vereadores disseram que apenas uma empresa (mesmo sem um edital ser publicado) ter manifestado interesse em concorrer ao processo licitatório e acusou os vereadores favoráveis a mudança de estarem criando a cultura do medo ao afirmarem que caso não apareçam outras empresas, a Princesa do Sul teria que permanecer  prestando o serviço.

“A mudança é uma apunhalada nas costas do povo. Quando o executivo traz uma mudança desta natureza, ele já está pavimentando a via para que seja apenas uma empresa. Se a palavra foi reformada é porque está impedindo algum procedimento”, disse o vereador tucano cujo discurso foi acompanhado e referendado pelo vereador André (PV), lembrando que a concessão para mais de uma empresa foi uma promessa eleitoral do atual prefeito.

Rodrigo Modesto (PTB) líder do executivo na Câmara rebateu as afirmações de Edson dizendo: “A má fé tem que ser provada e até que se prove o contrário, todos estão de boa fé. O texto é claro. Poderá ter duas empresas. A licitação dirá”, disse Modesto.

Repercussão

Tão logo a notícia começou a circular em redes sociais e sites de notícias,  a reação foi extremamente negativa e grande parte dos usuários se manifestaram contrários a aprovação da emenda e criticaram os vereadores que votaram favoráveis à mudança.

Como se fosse um discurso ensaiado e trazido pronto, quase todos utilizaram o mesmo argumento para justificar a votação pela alteração na Lei Orgânica e mais uma vez preferiram atacar a imprensa local, acusando-a de distorcer as informações sobre a mudança na lei.

Sob o argumento de quer a lei aprovada anteriormente não se baseava em estudo técnico de viabilidade , não seria mais prudente que se realizasse então o estudo para só depois alterar a lei? Com estudo nas mãos, grande parte da polêmica gerada agora com a alteração poderia ser desfeita e trazer a certeza de que uma, duas ou mais empresas poderiam trabalhar na cidade.

Nossa opinião

Para que não digam que somos parciais e que nosso objetivo e criar tumulto ou distorcer as palavras deste ou daquele, nossa equipe consultou alguns juristas para esclarecer a mudança no artigo da Lei Orgânica. A mudança pode ser praticamente imperceptível na concepção da palavra, mas os efeitos são grandes.

Deverá não é igual Poderá: A mudança quer queira, quer não, altera sim a obrigatoriedade de duas empresas, conforme redação anterior. Ao mudar para poderá, esta obrigatoriedade deixa de existir, passando a ser facultativa. Pode ser que a concessão seja para uma, duas ou três, mas não determina a quantidade exata.

Por mais  que os vereadores queiram passar para a população que a alteração garantirá um melhor serviço no transporte urbano, não há como garantir isso. E vamos usar o argumento do vereador Arlindo. E se aparecer apenas uma empresa? Quem pode garantir que esta prestará um serviço de qualidade?  Não dá para fazer futurologia.

Foi votada a renovação da concessão com a Princesa do Sul? Não, não foi votado nada neste sentido. Tanto que a licitação será realizada ao término do contrato. Os questionamentos nas redes sociais, em sua grande maioria, se deram pelo simples fato de haver a possibilidade de a outorga ocorrer a apenas uma empresa, contrariando a vontade popular e promessa de campanha do atual prefeito, decidida em audiência pública quando da aprovação da redação do artigo.

Segundo vídeo postado pelo prefeito, a alteração na redação do artigo era necessária, afim de viabilizar a participação de várias empresas na licitação que será lançada em dezembro.

Ainda que a Lei 8.666 conhecida como Lei Geral das Licitações não possa prever que, obrigatoriamente as licitações tenham um número x de empresas vencedoras do processo licitatório, inclusive porque não pode garantir a vitória de uma única empresa. As empresas participantes sofrem uma série de impugnações durante o processo, que na melhor das hipóteses leva no mínimo 90 dias devido aos prazos recursais e caso apenas uma fosse declarada vencedora, isso levaria o poder executivo a conduzir contratos emergenciais, que são mais caros e sempre mais suspeitos também.

Pois bem, o que determina o número de participantes em uma licitação, geralmente é o edital e suas exigências, que deve ser elaborado com muito critério, para que não seja alvo de impugnação por suspeita de favorecimento a alguma empresa. As exigências devem atender o maior número de participantes possível. O que vai determinar o número de participantes será principalmente o valor da tarifa, visto que os constantes aumentos de combustíveis e a tarifa praticada hoje na cidade é o menor do que todas as outras de porte semelhante na região.

Ousamos dizer ainda que a situação em que se encontra o serviço de transporte na cidade se deve muito mais a falta de fiscalização do que de qualquer outro fator. De nada adiantará colocar uma, duas ou três empresas para prestar o serviço na cidade, se não houver uma fiscalização efetiva por parte dos responsáveis por isso. A falta de concorrência sem fiscalização cria situações como as vividas no atual momento.

E verdade seja dita, o problema de transporte público urbano na cidade vai muito além do número de empresas que prestam tal serviço. Para um serviço de qualidade, é preciso uma série de coisas que não vamos exemplificar nesta matéria, mas voltaremos no assunto futuramente e quem sabe assim, dar nossa contribuição na busca de solução para este problema que afeta a população que depende deste serviço.